quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Queens of the Stone Age - ... Like Clockwork (2013)

Quando penso no rock da primeira década do século XXI não tenho dúvidas de que a grande banda foi o Queens of the Stone Age. Nascido das cinzas do ótimo Kyuss, o Queens rompeu com todos os limites e criou álbuns que agregavam os mais diversos elementos de forma orgânica. Seus discos sempre foram pesados, dançantes, criativos, barulhentos, empolgantes. Assim ansiedade por este ...Like Clockwork, primeiro trabalho em seis anos, era imensa. 
A atual formação do Queens of the Stone Age

O cd abre com uma das melhores faixas, Keep your Eyes Peeled. Bluesão pesado, distorcido e arrastado, com excelentes riffs e andamentos. Ainda assim me pareceu uma escolha curiosa para abrir o álbum, por ser muito lenta e soturna. Essa é uma faixa que eu esperaria ouvir no vindouro álbum do Black Sabbath ou de alguma (boa) banda Doom Metal por aí.
As carismáticas If I Had a Tail e I Sat by the Ocean tem aquele estilo bem característico e consagrado da banda, contrastando bases pesadas com ritmos dançantes. Se não trazem nada de realmente novo à sonoridade da banda ao menos são bastante boas dentro de suas propostas, em especial a segunda, com suas ótimas linhas vocais.
The Vampyre of Time and Memory é uma balada bonita, que tem até uma pegada meio classic rock, principalmente no solo de guitarra. Outra faixa no mesmo estilo é a que nomeia e fecha o trabalho, uma música melancólica que começa ao piano e violão para ir ganhando corpo e emoção conforme evolui.
Kalopsia é a mais fraca do cd. Uma faixa que tem em sua concepção caras como Josh Homme e Trent Reznor (Nine Inch Nails) merecia mais do que ter apenas passagens bacanas. Se alternando entre versos lentos (tediosos) e refrões barulhentos (bem legais) fica bem aquém do que eu esperava. Prefiro a cooperação que os músicos tiveram na trilha sonora do documentário Sound City, aquela sim bem mais interessante.
A maior porrada do álbum é sem dúvidas a My God is the Sun, que foi mostrada pela primeira vez no Lollapalooza Brasil. Bons riffs, Dave Grohl detonando na bateria como sempre... é legal, mas fica pálida perto de outras barulhentas da banda, como Sick Sick Sick, Feel Good Hit of the Summer ou Song for the Dead, por exemplo. Divertida, mas duvido que se torne um clássico nos shows dos caras.
Smooth Sailing me lembrou um pouco o estilo amalucado reminiscente de Era Vulgaris em faixas como I'm Designer e Misfit Love, com inúmeros detalhes, camadas e sonoridades diferentes. A mais psicodélica e uma das melhores deste lançamento. No início de Fairweather Friends temi pelo pior, mas temos aqui um ótimo hard rock, engrandecido pelo ótimo piano de Sir Elton John. Música simples, mas bem eficiente.
A angustiante (no bom sentido) I Appear Missing é uma power balad furiosa. Épica até o osso, a semi-balada te deixa com os nervos à flor da pele até o fim. Alias, acho até anticlimático que o trabalho não se encerre com essa faixa. É tranquilamente um dos destaques de ...Like Clockwork
A produção do cd está excelente. Todos os instrumentos podem ser ouvidos com bastante definição. Ouça no fone de ouvido e descubra novos detalhes cada vez. Os timbres dos instrumentos foram todos muito bem escolhidos. As guitarras solo tem um som vintage delicioso enquanto as bases soam "gordas" e na cara. Os teclados e sintetizadores e o som seco escolhido para a bateria deixam tudo mais pesado. Outro dos destaques do álbum é a voz de Josh, que está cantando muito. É impressionante como ele vem melhorando cada vez neste quesito com o tempo. Fazia tempo que eu não ficava tão impressionado com a produção de um cd. Neste quesito dá até pra dizer que ...Like Clockwork é o Sgt Peppers do Queens. O que decepciona é que fora o piano de Elton John nenhum outro participante especial mostra muito a que veio. Se eu não tivesse lido a lista dos músicos convidados eu nunca saberia que participaram desta gravação.
Mais um bom trabalho da banda, que ainda está invicta, sem lançar nenhum cd realmente fraco. Entretanto faltou "aquela" música, entende? Não temos aqui nenhuma arrasa-quarteirão como No One Knows, Sick Sick Sick, Feel Good Hit of the Summer, entre outras. A impressão que dá é que o falta um pouco de tempero para o álbum, algo que o deixe diferenciado. Nada daqueles riffs criativos de outrora, a pegada aqui é bem mais Hard Rock setentista. Mais direto, mais ao ponto. Dá pra dizer que ...Like Clockwork é exatamente o oposto de Era Vulgaris. Enquanto aquele álbum tinha bastante músicas "médias" e umas 3 ou 4 arrasa-quarteirões, o novo release é um álbum forte e coeso, com suas 10 músicas mostrando qualidades, porém sem nenhum grande hit. ou "revolução". Nenhuma música aqui tem aquela pitada de insanidade, de desconstrução dos padrões estabelecidos que permeavam os álbuns anteriores e que  "explodem seu cérebro". É tudo muito bem feito e bacana, porém dentro da "normalidade". Aqui o Queens é uma ótima banda de hard rock/rock alternativo, mas não é desafiadora para os seus ouvintes.
Entretanto é importante ressaltar que apesar de manter certas referencias, conceitos e estilos, a banda nunca  se auto-plagia. A integridade artística do Queens continua intacta e este ...Like Clockwork é mais um passo em sua brilhante carreira, tendo uma cara bem própria, sendo o mais soturno e melancólico trabalho da banda. Se não é aquela explosão de criatividade da década passada, ao menos o álbum é um honesto, bem-feito e cativante registro de rock.
Um cd muito bom e que provavelmente será um dos destaques de 2013, mas ainda assim dificilmente será lembrado como um dos grandes clássicos dos caras. Para outras bandas seria um lançamento maravilhoso, mas para um grupo do quilate do Queens é pouco. Nos acostumaram mal demais.


Álbum: ... Like Clockwork
Artista: Queens of the Stone Age
Lançamento: 2013
Gravadora/Distrib

Homem Máquina - Max Barry


Certa vez parei para pensar e notei que praticamente todos os meus autores preferidos já estão mortos. Isso me deu desespero porque torna minhas opções de leitura finitas. O que vou ler na área da ficção científica quando acabar com toda bibliografia do Asimov, do Dick e do Clarke? Assim resolvi que me daria a chance de conhecer autores mais jovens, que estivessem vivos ou ao menos que eu nunca havia lido antes. Foi assim que acabei lendo este Homem Máquina, do australiano Max Barry.
Vou ser sincero, nunca tinha ouvido falar do autor ou do livro. Mas eu tenho vício de passear em livrarias e num desses passeios bati o olho na belíssima capa do livro. Peguei o livro, folheei, li a orelha, paquerei a capa. Como não era muito caro resolvi levar. Decisão mais do que acertada. Comecei a ler num sábado de manhã e só consegui largar o livro no domingo à noite, quando o terminei.
Em Homem Máquina somos apresentados ao Dr Charles Neumann, engenheiro muito habilidoso em criar as mais diversas coisas no super moderno laboratório da empresa Futuro Melhor e nada habilidoso no que se refere à relações pessoais. Em uma série de eventos (engraçadíssimos) ligados à procura de seu celular, Charles sofre um acidente e acaba perdendo umas das pernas. Em sua recuperação ele conhece a especialista em próteses Lola Shanks, por quem se apaixona, e recebe sua primeira perna mecânica. Intrigado pelo funcionamento da perna o engenheiro acaba criando uma prótese melhor. Tão melhor que ele acredita que sua perna natural também deveria ser substituída.
À partir deste ponto acompanhamos as transformações do personagem em uma interessante mistura de Sci-Fi e humor negro, com muitos toques de crítica social. Grandes livros de ficção científica são justamente aqueles que trazem inseridas em suas histórias fantásticas questionamentos sobre algum aspecto real da condição humana e Homem Máquina não desaponta nesse quesito. É possível encontrar no texto metáforas para as mais diversas questões, como consumismo (principalmente no que se refere à tecnologia), intervenções cirúrgicas cosméticas e interesses das grandes empresas, tudo costurado por um texto ágil e divertido, que prende o leitor que nunca deixa de se perguntar “até onde esse cara vai?”.
Max
Barry, que é engenheiro e já até trabalhou na HP, escreveu o livro de uma forma bastante moderna, publicando uma página por dia em seu site, deixando que seus leitores deixassem registradas correções e sugestões para a história. A edição final foi bastante modificada da versão do blog, mas a ideia não deixa de ser curiosa.
Devido a sua formação o autor traz muita bagagem à história, sabendo muito bem onde cutucar o mundo das grandes empresas e o dos engenheiros, fazendo com muito mais propriedade e talento o que o Big Bang Theory tenta fazer.
Ao terminar o livro senti um alívio. A ficção científica ainda tem muita lenha para queimar.

Panela velha é que faz comida boa


Este parece ser o ano dos veteranos da música. Estão todos com novos trabalhos na praça e mandando super. Destaco abaixo alguns dos cds que mais me chamaram a atenção até agora.

Jimi Hendrix - People, Hell and Angels: O cara morreu faz mais de 40 anos e um cd seu com sobras de estúdio é mais relevante do que a maioria da produção atual. Se você não sabe porque Hendrix é considerado o melhor e mais influente guitarrista da história escute People, Hell and Angels e não tenha mais dúvida nenhuma. 
O trabalho é um passeio por diversas emoções. O solo da Hear my train a comin' é sobrenatural, me arrepia toda vez que ouço, já em Let me move you e Mojo Man a vontade é de sair dançando por aí. O álbum é um curso intensivo de blues, rock'n'roll e soul em 12 lições. Estude!

Seasick Steve - Hubcap Music: Seasick é um cara com uma história bem peculiar. Nascido em 1941, ele fugiu de casa aos 13 anos. Vagou pelo Tennessee e Mississipi, vivendo de pequenos bicos. Nos anos 1960 passou a excursionar com bandas de blues e a trabalhar como engenheiro de som e produtor. Também morou em Paris, nos anos 1990, onde se apresentava sozinho pelas estações de metro da cidade. Lançou seu primeiro álbum, Cheap, em 2004, aos 63 anos.
Hubcap Music apresenta uma sonoridade bem próxima do álbum anterior, You can't teach an old dog new trick, calcada em rock cru e blues eletrificado, com algum toquezinho de country music aqui e ali. Neste trabalho Seasick é acompanhado por uma banda formada pelo baterista Dan Magnusson e por ninguém menos do que John Paul Jones, ex-Led Zeppelin, no baixo, além da participação de Jack White na guitarra na faixa The Way I Do. 
O cd tem esse nome porque o instrumento que Seasick toca é caseiro, feito provavelmente por ele mesmo usando, entre outras coisas, duas calotas de roda (hubcaps). É pra ouvir no talo.

Dr John - Locked Down: Na verdade esse é do ano passado. 
Sabe pra que servem premiações e listas de melhores do ano? Para nos indicar coisas bacanas. Por exemplo, depois de ver a lista de indicados na categoria "melhor filme" no Oscar resolvi assistir um monte de filmes que, talvez, de outra forma eu não teria assistido. E no Grammy vi que este Locked Down do Dr John ganhou como melhor álbum de blues de 2012. Como já tinha visto esse álbum figurar  em várias listas de "melhores" de gente bacana no final do ano passado resolvi arriscar. E agora não consigo parar de ouvir! 
Com a produção e a guitarra de Dan Auerbach do The Black Keys o álbum tem uma sonoridade muito própria. Algo entre o rock'n'roll, soul e rythm and blues, mas o que mais me vem a cabeça ao ouvir esse trabalho são as trilhas sonoras dos filmes do Tarantino. Sabe aquele som sacana, dançante e malicioso que te faz lembrar de bares de strip tease enfumaçados? É mais ou menos isso. Imperdível. 


Deep Purple - Now What?! Eu via as notícias sobre esse cd e não dava muita bola. Veja bem, sou um grande fã dos caras. Os álbuns clássicos dos caras furaram de tanto que os ouvi e já fui em uns 3 ou 4 shows da banda. Mas sei lá, as músicas mais novas (leia-se dos 80s pra cá) nunca me apeteceram muito. Mas me deparei com o trabalho a dois cliques de distância, então porque não dar uma conferida, certo? A surpresa foi incrível! A banda está soando tão pesada e técnica quanto nos bons tempos de Machine Head. A interação entre o super guitarrista Steve Morse e o tecladista Don Ayrey (que aqui deixa pouco a dever ao grande mestre Jon Lord) é impressionante e confere lindos momentos instrumentais.
As quatro primeiras músicas são um um rolo compressor, só pedrada! Já na segunda metade do cd se ouvem mais baladas e momentos mais jazzy, mas tudo com o selo Deep Purple de qualidade. E ainda sobra tempo para a fantástica homenagem à um dos mestres do terror, o sr Vincent Price. Uma grata surpresa. 

Iggy Pop and The Stooges - Ready to Die: Que paulada! Nada de inovação, o que se ouve aqui é o massacre punk costumeiro da banda. E isso não é demérito nenhum! Poucos conseguem manter a qualidade depois de tanto tempo de estrada. Mas enquanto a grande maioria das bandas se torna cover de si mesmo, o Iggy Pop e seus Stooges tocam com a mesma pegada e atitude que tinham 40 anos atrás. Não vai mudar a história, mas a diversão é certa.

Veteranos fazendo bonito. Será que o Black Sabbath vai segurar a onda? 

Ghost - Infestissumam (2013)

Do nada começaram a pipocar notícias e reviews sobre o Ghost. Não dei muita bola. Demorei a ter curiosidade sobre os caras. Mas depois de ver que até figurões como Phil Anselmo (Down, Pantera) e James Hetfield (Metallica) se declararam fãs e andavam por aí com camisetas do grupo deixei a preguiça de lado e fiz o download. Verdade seja dita, de cara não curti a banda. Achei leve demais e o timbre do vocal Papa Emeritus I não me desceu. Mas de repente me vi cantarolando algum riff ou melodia dos caras. E ouvi mais uma vez o álbum, só pra tirar teima. E mais uma. E outra. Logo já estava cantando todas as letras por aí. Não teve jeito,  também fui pego pela praga do Opus Eponymous, debut dos suecos. Já se passaram uns 2 anos desde meu primeiro contato e continuo ouvindo o cd sem parar.
O Papa e seus seguidores
Pra quem não sabe, o Ghost é uma banda que faz um resgate do heavy metal setentista, com influências de Blue Oister Cult e Uriah Heep e alguma pitada de Mercyful Fate. Desta última trouxeram principalmente o aspecto visual e teatral e as temáticas demoníacas. Para reforçar o aspecto sombrio a banda decidiu manter em sigilo as identidades de seus músicos. Alias, fora o vocalista Papa Emeritus I (agora Papa Emeritus II), que a imprensa acredita ser Tobias Forge, vocalista das bandas de death metal Repugnant e Subdivision, todos os outros outros cinco instrumentistas encapuzados são conhecidos apenas como Nameless Ghouls.
Dá para entender o rebuliço que o debut da banda causou. O contraste dos vocais suaves aliadas às belas melodias do hard rock/heavy metal setentista com as letras e visual obscuro e enigmático conferiram uma aura cult ao grupo. Aliás, não consigo parar de pensar que a banda é, além de uma grande homenagem as bandas clássicas, uma certa sátira à alguns clichés do metal. As letras de tão absurdamente satânicas (e até meio juvenis) passam a ser  engraçadas. Veja bem, isso não é uma crítica. Muito pelo contrário, acredito que a cada detalhe da banda foi pensado e repensado em cada pormenor e o Ghost é entretenimento puro. Desde as especulações sobre as identidades dos músicos até o que mais importa mesmo, o som.
Phil Anselmo, Dave Grohl e James Hetfield, fã club do Ghost
Com tudo isso veio a ansiedade pelo segundo álbum. O primeiro single liberado foi a "valsa" Secular Haze, que ganhou um clip no melhor estilo Black Sabbath. A música já mostrava o que seria ouvido no álbum, uma produção mais caprichada e uma atenção redobrada aos teclados. 
A banda fez excelentes escolhas na composição de Infestissumam. O primeiro aspecto é que não fizeram uma mera cópia do cd anterior. O grupo evoluiu e se aprofundou ainda mais em seu resgate da sonoridade setentista.  Seu som está até mais leve e melódico do que em Opus Eponymous, porém não menos carismático. Como já dito, a presença do teclado é bem mais forte e a adição de alguns corais gregorianos em certas faixas só acrescenta dramaticidade e consistência ao som do grupo.
O trabalho abre com a excelente instrumental que dá nome ao álbum, com bateria rápida e corais, já deixando o ouvinte em estado de alerta e preparando o clima para Per Asperi Ad Inferi, uma das mais pesadas do cd, com seu riff cortante e bateria militar em seu refrão. Esta é provavelmente uma das faixas que mais se parece com as do registro anterior.
Uma das diferenças entre este cd e o debut é a presença de "baladas". A primeira metade do épico Ghuleh/Zombie Queen é um exemplo, com seus teclados, piano e clima triste. A segunda metade da faixa começa com um efeito "tecnobrega" (o Ghost se inspirou em The Strokes?) e ela se torna uma das faixas mais agitadas e divertidas do álbum. Outra balada é Body and Blood, que poderia ter saído de qualquer cd da Mark III do Deep Purple.
Jigolo Har Megiddo, Idolatrine e Depth of Satan's Eyes são ótimos hard rocks. Todas com andamentos moderados em termos de velocidade, as faixas apresentam muita melodia e um clima até dançante, meio post-punk. Mostre essas músicas pra aquele seu amigo que acha que música boa é só aquela produzida nos anos 70 e pode apostar que ele vai amar.
A grande música do álbum (e da banda, ao menos até agora) é Year Zero. O coral cantando nomes de demônios dá espaço à riffs e andamentos que são ao mesmo tempo vintage e modernos. Impossível não se empolgar com esta faixa. Ela até já ganhou um clip bacaníssimo e bem sacado, cheio de subtextos, brincando com rituais católicos e pagãos, além da óbvia piada a respeito da identidade dos músicos. 
O trabalho fecha com Monstrance Clock. Imagino o King Diamond ouvindo esta e pensando "meus garotos" com um sorriso no rosto. Piano e um riff sabbatico dão o tom aqui. Só tome cuidado para não sair cantando em alto e bom som por aí "come together, together as one, come together, for Lucifer's son".
O desafio do segundo álbum está mais do que superado. O Ghost veio para ficar.


Álbum: Infestissumam
Artista: Ghost
Lançamento: 2013

David Bowie - The Next Day (2013)

Não tem como deixar passar em branco um super lançamento como este, né? Como você já deve estar sabendo, o cantor/ator/produtor/alienígena/camaleão/etc David Bowie apareceu depois de muito tempo sem dar qualquer notícia para lançar um novo álbum intitulado The Next Day, seu primeiro registro em dez anos. Após deixar o álbum no repeat por uma semana acho que já estou apto a falar sobre ele.
O cd abre de forma bastante forte com a faixa que dá seu nome. Um rock'n'roll energético e dançante com uma certa pegada Rolling Stonica, principalmente nas guitarras. Ouvindo a faixa me vem a cabeça a imagem de um show lotado, com o publico pulando e cantando enlouquecidamente. Uma música simples, mas grudenta e eficiente.
A sequência com Dirty BoysThe Stars (are out tonight) e Love is Lost é minha parte preferida do trabalho. Uma música melhor do que a outra. Enquanto a Dirty Boys transita entre o rock e o jazz, com seu acompanhamento de metais e seus tempos quebrados, The Stars... volta ao rock básico.  A música já ganhou um fantástico clip e é fácil de entender o porquê de ter sido escolhida como single. A guitarra sempre presente e sua estrutura em crescendo que explode no refrão tem tudo pra se tornar um dos grandes hits da carreira de Bowie. Já me peguei cantando ela alto no busão algumas vezes. Love is Lost fecha esse primeiro terço do cd de forma soberba com seu baixo pulsante, teclado altíssimo dando um aspecto sombrio para a música e guitarras distorcidas que surgem em ótimos fraseados e riffs. A linha vocal criada por Bowie confere um tom de urgência para a faixa.
Então vem o único ponto fraco do trabalho. Where are we now? é uma baladinha pra tocar em baile da terceira idade. Chata que só. E por falar em baladas, o cd tem mais algumas (felizmente bem melhores), como Valentine's Day, que poderia ter aparecido em algum LP antigo do inglês. Seu andamento e sonoridade remetem à um amalgama de músicas romanticas dos anos 60 e 80. Entretanto, a melhor balada do cd é a épica You feel so lonely you could die. Corais, pianos, cordas... a faixa podia ter descambado para a breguice, mas o cantor consegue fazer de tudo isso um momento genuinamente emocionante. 
Uma das músicas mais interessantes é a agitada If you can see me. A bateria dela parece ter sido inspirada pela fase drum and bass do camaleão (do álbum Earthling, de 1997), entretanto sendo tocada "organicamente". Extremamente trabalhada e criativa é sem dúvida uma de minhas preferidas do álbum.
I'd rather be high tem um andamento militar (mais ou menos como a Sunday Bloody Sunday do U2) e um bonito refrão. Boss of me reúne um monte de elementos de forma elegante. Guitarras, metais, partes mais paradas, outras mais agitadas, corais... tudo de forma orgânica e bem equilibrada. Já uma das mais alegres e dançantes é a Dancing out in space
How does the grass grow é uma das grande pérolas. Com um "quêzinho" de hard rock, a faixa traz linhas de teclado bacanas, bateria bem trampada e uma das onomatopéias mais divertidas dos últimos tempos. Te desafio a escutar a música e não ficar com esculaxados La la la las na cabeça. O solo de guitarra é outra coisa linda. E por falar em solo de guitarra, um dos melhores é da post-punk (You will) Set the world on fire, faixa que evoca Bauhaus todo o tempo.
A densa Heat fecha o trabalho. Se a faixa de abertura foi a escolha certa, a de fechamento também não poderia ser melhor. Lenta, depressiva e épica, Heat é hipnotizante. Coloque-a no fone de ouvido, feche os olhos e boa viagem pelas sensações e sentimentos que a música vai te trazer.
No alto dos seus 66 anos David Bowie ainda mostra como se faz. Dá um banho em um monte de bandinhas que se acham modernas e lançou um cd digno não só de sua própria discografia como também das famosas listinhas de melhores do ano. Na minha com certeza The Next Day vai estar.
Álbum: The Next Day
Artista: David Bowie
Lançamento: 2013

Lollapalooza - 30 de março de 2013


Este sábado fui ao festival Lollapalooza. Em primeiro lugar, achei o festival extremamente bem organizado. Quanto a estrutura dele não tenho nenhum ponto negativo para comentar, então vamos pro que interessa mesmo, os shows (só os que eu vi, obviamente)!




Tomahawk. Depois do Faith no More é a banda do Mike Patton que eu mais gosto.  Eu vinha acompanhando o setlist de shows anteriores dos caras e me surpreendi muito positivamente com o que apresentaram no Lolla. Começaram com a ótima Mayday e misturaram de forma bastante coerente músicas dos dois primeiros álbuns com algumas (muito bem escolhidas) do mais recente. Mas para mim o momento alto da apresentação foi a Totem, única representante do maravilhoso álbum Anonymous, apresentada por Patton como "música de macumba".

Quem já viu o vocalista a frente de qualquer uma de suas bandas já sabe o que esperar. Apesar de mais contido em relação às suas maluquices quando está com sua banda mais famosa, o cara é um frontman sem paralelos. O restante do Tomahawk também não fica pra trás, afinal o grupo é praticamente um dream team do rock/metal alternativo com Duane Denison (Jesus Lizard) na guitarra, Trevor Dunn (Mr Bungle) no baixo e John Stainer (Helmet) na bateria.

Em relação a banda não tenho dúvidas que foi um showzaço, porém, com pouca gente que conhecia/gostava dos caras na platéia acabou não sendo tão empolgante. Fico na expectativa de ver um show só deles, com mais tempo e mais fãs enlouquecendo ao meu lado.

Alabama Shakes. Me surpreendeu o número de gente esperando ansiosamente em frente ao palco. E todo mundo conhecendo e cantando as músicas! Nem parecia que estávamos diante de um grupo formado recentemente e que possui apenas um cd na bagagem. Quem disse que downloads ilegais são apenas prejudiciais para as bandas, hein?
O show foi excelente. É impressionante o quanto canta a vocalista Britanny Howard! 
Torço muito para que o Alabama Shakes continue evoluindo.

Queens of the Stone Age. Vou a shows faz 19 anos. Já vi de Alanis Morrissete à Brujeria e posso afirmar que poucas bandas são tão legais em cima de um palco como o QotSA. É muito peso, muita energia. Para mim, foi não só o grande show da noite como também um dos grandes shows que já presenciei na vida.
A banda se calcou no seu disco mais famoso, Songs for the Deaf, mas deu tempo de tocarem algumas surpresas como a inédita (e ótima) My God is the sun e a lisérgica Better living through chemistry.
Além disso foi a primeira apresentação do grupo com seu novo baterista, John Theodore, que é um monstro. A técnica e a brutalidade com que ele espanca sua bateria são impressionantes.
Claro que cada um tem suas preferências e outras pessoas podem ter gostado mais de outro show, mas a plateia mais empolgada e o show mais comentado do dia foi com certeza o do QotSA. 

A Perfect Circle. A difícil tarefa de tocar depois do QotSA. Apesar de adorar a banda e estar ansioso para vê-los reconheço que demorei umas 3 músicas pra entrar no clima da apresentação. Foi como sair de um jogo de Hóquei no gelo e ir ver um balé. 
Entretanto, passada essa minha fase de adaptação o que presenciei foi show lindíssimo. O segundo cd da banda, o Thirteenth Step, é um dos meus prediletos dentre os lançados no século XXI e ver aquelas músicas ao vivo foi uma emoção muito grande. Claro que faltou uma ou outra que eu gostaria muito de ter visto, mas o setlist dos caras foi incrível e a execução das músicas idem.

The Black Keys. O guitarrista/vocalista Dan Auerbach e o baterista Patrick Carney mostraram boa presença de palco, muita simpatia e tinham um setlist matador em mãos. Mas alguma coisa não estava certa. Faltou um pouco de pegada ao show. 
Atribuo isso a dois motivos em especial. O primeiro foi o som. Como o headliner do dia pode ter o pior som? Desregulado e baixíssimo, só consegui ouvir alguma guitarra depois de umas 4 ou 5 músicas. O que eu mais ouvi durante a apresentação da banda foi o cara do meu lado contando pra uma amiga que tinham roubado o celular dele. Isso por si só já era motivo para estragar a minha experiência. 
O segundo motivo: talvez o The Black Keys não seja uma banda para tocar para multidões. Acompanho os caras faz alguns anos e até pouquíssimo tempo atrás eles eram uma banda que devia tocar em lugares para 1000 ou 2000 pessoas. Não estou tendo síndrome de underground aqui, acho ótimo que mais gente esteja conhecendo e apreciando o competentíssimo blues rock da dupla, era uma banda que estava faltando no mainstream, mas acredito que o tipo de som que eles fazem ficaria melhor num ambiente menor e mais intimista, com um público que conhecesse mais da história deles e não apenas Lonely Boy. 
Em resumo, o show foi bom, mas poderia ter sido melhor.

As aventuras de Tintim


A nona arte sempre esteve presente em minha vida. Como muitas crianças brasileiras eu lia muita Mônica, Cebolinha e toda a turma criada por Maurício de Souza. Uma coisa leva a outra, e logo fui apresentado aos quadrinhos do bárbaro gaulês Asterix e do repórter belga Tintim, colecionando vários volumes desses quadrinhos por volta dos meus 10-12 anos. Gostava de ambos personagens, mas meu fascínio maior era pelas aventuras do topetudo e seu cachorro Milú, com suas pitadas de mistério, intrigas internacionais, humor, ação e até ficção científica.
Tintim e seu fiel amigo Milu
O personagem foi criado pelo belga George Remi, que utilizava o pseudônimo Hergé, e teve sua primeira aparição em 10 de janeiro de 1929, no suplemento infantil do jornal Le Vingtième Siècle, sendo uma evolução de um personagem anterior de Hergé, o escoteiro Totor. Apesar de, ao menos à principio, a série ser direcionada à crianças, o autor sempre trouxe temas adultos aos seus quadrinhos. Assim, ao lado de situações cartunescas, personagens caricatos e com nomes como General Tapioca, podemos encontrar temas como tráfico de drogas, guerra, espionagem, assassinatos e máfias. Ao mesmo tempo que os Dupond escorregavam em cascas de bananas, o protagonista era capaz de pegar em armas e arriscar a vida em revoluções na América do Sul e no oriente.
A primeira fase do personagem é hoje vista de forma polêmica. Em álbuns como Tintim no país dos Sovietes, Tintim no Congo e Tintim na América, as histórias passam visões eurocêntricas e preconceituosas de seu criador. O mais discutido trabalho desta época é, sem dúvida, aquele em que o personagem vai para a então colônia belga. Retratando o povo local como ignorantes e usando traços estereotipados nos personagens negros, o álbum é hoje tema de discussão por seu suposto racismo. Anos mais tarde Hergé se desculpou, dizendo ser a história produto do ambiente e das informações que chegavam a ele em sua juventude.
Mais uma polêmica se deu quando a Bélgica foi invadida pela Alemanha nazista. Impedido de publicar suas histórias no Le Vingtième Siècle, Hergé passa a ter seus personagens frequentando páginas de jornais nazistas. Entretanto, é possível perceber no álbum "O cetro de Ottokar", publicado durante esses anos, uma clara alegoria à posição anti-expansionista que o quadrinista imprime em sua história.
A grande virada do personagem se deu na história O Lótus Azul, de 1936. Durante a escrita, Hergé se tornou amigo do estudante chinês Zhang Chongren, que supervisionou toda a concepção da história e retratação de seu país natal. Considerada uma das obras primas do autor, O Lótus Azul marcou um imenso salto de qualidade nos trabalhos por ele produzidos. À partir deste ponto Hergé se livrou de preconceitos e passou a fazer um grande trabalho de pesquisa sobre cada lugar que utilizava em suas histórias. Sua habilidade como roteirista (passando a substituir histórias segmentadas e a tremenda sorte do protagonista por  argumentos mais intrincados) e sua técnica como desenhista também evoluíram enormemente. Seu traço limpo e a presença de ambientes altamente detalhados se tornaram uma marca registrada e foram influência para todas as gerações de desenhistas posteriores.
Alguns dos álbuns de Tintim
Nesta fase vieram as histórias que se tornaram verdadeiros clássicos dos quadrinhos. Aventuras a la Indiana Jones, O ídolo roubado, As 7 bolas de cristal e O Império do Sol, conspirações como em No país do Ouro Negro, A Ilha Negra e O Caso Girassol e ficção científica como em Rumo à Lua, Explorando a Lua e A Estrela Misteriosa.
Hergé e seus amigos
Caso você não tenha acesso às HQs e quiser conhecer o trabalho de Hergé, a melhor forma é através da série animada franco-canadense produzida pelas empresas Nelvana e Ellipse Animation no início dos anos 90. Dividindo as histórias em 39 episódios distribuídos por três temporadas, foram produzidas adaptações para todos as HQs, com exceção das duas primeiras, Tintim no país dos Sovietes e Tintim no Congo, além da inacabada história Tintim e a Alfa-arte. Acredito que esta série foi uma das mais bem sucedidas transições de mídia que já tomei contato. Utilizando as cores e traços (da fase mais desenvolvida) de Hergé, os desenhos traziam histórias praticamente Ipsis litteris daquelas encontradas nos álbuns  Mudanças aqui e ali, algumas pequenas adaptações e até melhoria o desenvolvimento de alguns pontos da trama (em uma história, por exemplo, Tintim escapa de um sequestro usando um serrote para sair de um carro, no desenho trocaram o serrote por um canivete, objeto infinitamente mais plausível de ser carregado no bolso por qualquer um) foram feitas de forma extremamente competente.
Hergé conseguiu dar vida a um universo único, entre o real e o cartunesco, entre o infantil e o adulto, fazendo de seus personagens ícones dos quadrinhos europeus. Não à toa, mesmo tantos anos após sua morte, Tintim, Milu, Capitão Haddock, Professor Girassol, os Dupond e tantos outros personagens se mantém vivos e queridos por legiões de fãns.